terça-feira, 9 de setembro de 2008



"Bibelódromo"
Certo dia você acorda e, simplesmente, é um bibelô.

Você fica ali, esta guinado sobre um estante qualquer, juntando uma poeira qualquer, enquanto as horas vão se passando. As pessoas passam e não reparam em você, e as que lhe vêem perguntam aonde você foi comprado, e você lá, imóvel, sem proferir se quer uma única palavra de emancipação, raiva ou até mesmo de alegria ou conforto.

Sem poder pronunciar os dias vão se passando, e você lá, intacto sem se mexer, só ouvindo comentários de outros e vendo as mais diferentes formas percorrerem o espaço de um lado para o outro da sala.

Uma hora alguém te limpa tirando a espessa camada de pó que se formara vagarosamente sobre seu material de porcelana paraguaia. Numa outrora lhe trocam de lugar, só para que não canse a vista de quem esta lhe vendo todos os dias.

Você não fala, suas opiniões são suprimidas todos os dias por um silêncio voraz e devorador.

Dias e dias depois de tanta solidão e de seu cérebro ter se consumido em pensamentos úteis sobre o dia a dia do local aonde vivera, você simplesmente percebe que não possuí utilidade alguma, nem o seu próprio silêncio lhe era útil. E logo você, que tinha o poder de se comunicar, de escrever e de gritar ao mundo mais de vinte mil palavras, desde as com sentido mais esnobe até aquelas que iriam erguer um amigo. Você se deixou calar por se tornar um bibelô silenciosamente silencioso.

Cadê o seu poder de escrita? Cadê o seu poder de questionar a sociedade? Quando você parou de cantar aquelas músicas? Onde estão os seus amigos agora?
Todos que você conhece se renderem a mais uma loja de enfeites que tenta lhe transformar todos os dias em bibelôs?

Não sei quantas vezes você se permitiu ser livre desde que teu espírito foi concebido, mas acredite nada que lhe deixa mau, que lhe transtorne, que lhe incomode ou te condene é para sempre, tal como as coisas boas também não são eternas, mas a forma como você reage às ruins ou as boas fica gravado de uma forma que nem os ventos e as ondas do mar podem apagar, se você vai agir, falar, domar e cantar ou se vai desistir, chorar ou resmungar, todos se lembraram disto. O que te define como ser pensante vivente e amante não é o fato de respirar, pensar ou ter um corpo, e sim os motivos, meios para qual você move teu corpo e pensa.

Bibelôs são lindos, são encantadores, tal como tudo que não incomoda, pois o que incomoda são aquele que conhece seus direitos, seus deveres e faz uso do seu poder de comunicação para ganhar o mundo, estes são tratados como feios e repulsivos por que incomodam, mas todos que vivem nesta situação podem ter certeza de muitos poréns que nem mesmo o bibelô mais inteligente não teria, este, que incomoda, será livre.

Certa vez, limpando mais uma vez você, para retirar novamente a espessa camada de pó, mas não tomando cuidados, deixara você lentamente cair no chão, e se partir em diversos pedaços. Acabou seu tempo, e todo aquele silêncio valeu mesmo realmente?

Na próxima vez que se questionar se está intacto ou não, lá estarei eu perto da prateleira, olhando cada milímetro de mais um bibelô que esqueceram na estante, só pra ver se ele ainda se mexe.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ontem, segunda, eu viajei durante o papo dos bibelôs, e pensei nesse texto, fugi completamente do foco (Talvez), mas somos comunicadores, e eu me comuniquei, rs.

Vamos esperar o video da entrevista "bibelódrica", rs.

- Inté.

mari disse...

é Luciano, deve ser complicado ser um bibelô!
rs, gostei da reflexão, agora você já pode juntar-se ao rafa nos amantes de bibelô!